sábado, 20 de junho de 2009

Agentes da CIA: Ignorados no aeroporto mas identificados no hotel



O Ministério Público teve de recorrer a registos dos hotéis para identificar muitos supostos agentes da CIA que desembarcaram e embarcaram em Portugal, de 2001 a 2006. Nos aeroportos nacionais, parece que ninguém os controlava.
Tome-se o exemplo de Eric Fain, um alegado agente da secreta norte-americana que, segundo a revista "Der Spiegel", é acusado pelas autoridades alemãs de rapto e tortura do cidadão germânico Khalid El-Masri. Apesar de Eric Fain ter ter embarcado e desembarcado no Aeroporto Sá Carneiro em várias ocasiões, as autoridades portuguesas só assinalaram a sua presença em Portugal depois de rebentar a polémica dos voos da CIA e de observarem os registos da sua estadia no Hotel Meridien, do Porto. De resto, através dos registos de hotéis e de fornecedores de serviços nos aeroportos, acabaram por ser identificados mais de 100 cidadãos norte-americanos.
A conclusão é retirada do despacho de arquivamento do inquérito conduzido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Foram investigados 103 voos da CIA que terão feito escala em Portugal com suspeitos de terrorismo apanhados, após o 11 de Setembro, pelas chamadas "rendições extraordinárias". Um processo, investigado pelo Parlamento Europeu, em que a CIA deteve pessoas sem culpa formada em todo mundo, torturou e manteve presas em Guantánamo, Cuba.
Eric Fain está referenciado - ele e Ronald Chamberlain, mas mais ninguém - logo no primeiro voo investigado pelo MP no Sá Carneiro. Ambos viajavam numa aeronave civil operada pela "Stevens Express Leasing Inc.", tida como suspeita de ser uma "sociedade fantasma" da CIA, que aterrou no Porto a 25 de Maio de 2002, vinda de Marrocos, e arrancou para os EUA no dia seguinte. O voo tinha classificação de "táxi aéreo", mas este aparente carácter comercial não levou as autoridades portuguesas a exigirem informações detalhadas sobre quem nele viajava. "No Formulário de Tráfego estão registados quatro passageiros, sem número de tripulantes", observou o DCIAP.
O JN tentou obter explicações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - que controla passageiros e tripulantes de fora do espaço Schengen - para a inexistência de identificação criteriosa das pessoas que viajavam naquele voo e em muitos outros com idêntica ou ainda maior escassez de transparência. Também não obteve resposta do Instituto Nacional de Aviação Civil acerca das exigências feitas a aviões que fazem escala em Portugal.
O anterior ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral garantiu, antes de se demitir, que mesmo os voos militares têm de ter autorização, do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) ou do Ministério da Defesa, e caracterizar o que transportam.
Ainda assim, os voos militares e de Estado pareciam oferecer vantagens. Segundo o DCIAP, "algumas das aeronaves civis descritas são classificadas, pelos próprios operadores, como “voos de Estado". Mas "o MNE português informou que, no tocante às aeronaves objecto da presente investigação, não foi concedido qualquer tipo de autorização diplomática", relata o DCIAP, concluindo: "Os operadores das aeronaves terão, de forma abusiva, utilizado este expediente para assim poderem utilizar aeroportos coordenados".
O JN perguntou à PGR se o inquérito arquivado daria lugar a novas investigações para apurar outros eventuais ilícitos, mas "não está prevista a extracção de alguma certidão".
Os procuradores José Franco e Paes de Faria arquivaram este caso, em que estavam em causa eventuais crimes de tortura e de entrega ilícita de pessoa a entidade estrangeira, por não terem apurado provas "consistentes" de que os EUA fizeram passar por Portugal pessoas detidas ilegalmente. As que foram vistas a caminhar em fila indiana e em "situação de aparente detenção", na Base das Lajes, onde houve 12 escalas de aeronaves militares, "seriam militares norte-americanos", concluiu o DCIAP, com base em testemunhos.
Todos os aviões que passaram nas Lages eram de passageiros.
Fonte: Jornal de Notícias

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